quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Linha de chegada.

Olá, queridos!

Como vocês já sabem pelo último post, o Boomer estava correndo em sua maratona (hospitalar).
Na quinta feira ele voltou para casa, "para nossa alegria"!!
Devo lhes dizer que ele não estava muito fácil de lidar naquele dia, mas era mais do que natural, já que ele tinha acabado de passar quase uma semana com tubinhos de plástico enfiados nas patas, e ele, por sua vez, enfiado numa gaiola.
Como é cruel esse negócio de deixar o cachorro internado. Talvez porque eu sempre achei que o Boomer era gente (ele também acreditava piamente nisso), e a diferença entre internar uma pessoa e internar um cachorro é brutal (mas não mais barata). Mas o que poderíamos fazer? Não tínhamos como monitorar todas as funções vitais dele aqui em casa, ajustar doses de remédios, etc, então o jeito foi deixá-lo lá.
Saber que seu amigo está enfiado numa gaiola, rodando em seu próprio eixo por causa da "doidera" que o Alzheimer causou no pequenino cérebro dele... foi uma sensação terrível para nós que ficamos aqui na expectativa, ligando para a  internação de cinco em cinco minutos para saber como ele estava, como estava a pressão, se ele havia comido e/ou tomado água, etc., e percebíamos que, sempre que a responsável pela internação iria nos dar um resumo das "atividades" dele, ela checava um monte de papéis ao invés do nosso amigo. Enfim, acredito que eles fizeram, sim, o melhor que podiam com os recursos que tinham. - Uma responsável pela internação chegou a ficar irritada com a minha insistência em uma das ligações e confessou que ela estava cuidando de mais de vinte animais naquela noite ("e o kiko?"). -

Tá, ele voltou para casa "para nossa alegria", como eu ia dizendo. Montamos acampamento do lado dele, literalmente. Eu e minha mãe nos revezávamos para ficar de olho nele, mas a maior parte do tempo as duas ficavam por perto.
Montamos um "círculo" entre o sofá e o móvel da TV com almofadas para que ele pudesse girar à vontade sem se machucar. Ele estava irreconhecível para falar a verdade. Talvez já estivesse  "mais para lá do que para cá", como se diz por aí.
À noite conseguimos que ele dormisse um pouco, mas ele só parava para deitar se nós o colocássemos deitado, e aí ele pegava num sono pesado em, tipo, meio minuto.
Durante a sexta feira, nós demos água e comida na boca, demos todos os remédios e cuidamos de tudo que estava ao nosso  alcance (o resto era com ele).
Vou encurtar a história agora, porque começa a ficar triste, e eu não quero que nosso velho seja lembrado pelo único momento de tristeza que ele nos deu durante todos os dezessete anos de vida dele.
Por volta das 14h medimos a pressão lá no hospital: 200. Ele passou o dia moribundo, até que, quando ele parou de deglutir, decidimos que o sofrimento já estava demais para ele (para nós, esse limite já havia sido transposto há bastante tempo) e o levamos de volta para o hospital. Ele estava praticamente desacordado, com alguns poucos momentos de lucidez (será?). A pressão despencara para 130, a mais baixa que já medimos.
Conversamos com a Drª e ela foi o mais atenciosa e delicada possível. Optamos pela eutanásia. E preciso falar para vocês que eu acreditava que já havia me preparado para  tudo, mas quando chega a "hora do vamo vê", Deus do Céu, como é difícil.
E como tomar uma decisão dessas? Quem é você para decidir até onde vai ou não a vida do seu amigo, eu perguntei uma vez para a querida R.L.. E ela me respondeu lindamente que "você vai sentir quando chegar o momento, não fique se preocupando com isso agora" (ou pelo menos foi isso que consegui depreender das palavras dela), e como ela tem muito mais experiência do que eu, e porque ela tem um coração maravilhoso, eu acreditei e aguardei o momento.
Realmente. Não sei como, nem de onde veio, mas nós sentimos, todos juntos, que aquele era, de fato, o momento. Que nós iríamos somente encurtar o caminho do sofrimento físico, e que ele cruzaria a linha de chegada mais tranquilo, sem tanto desgaste físico. E foi isso que aconteceu.
Ele lutou bravamente até o fim. Ele sempre foi muito forte. Forte a ponto de ganhar (com louvor, rsrs!) o apelido de Highlander entre o pessoal da internação. Na mesa onde fizemos o "procedimento", ele também queria lutar e dava seus espasmos para tentar ficar em pé, mas já não tinha força para mais nada. Lutar contra o quê, meu filho? Ele cruzou a linha de chegada às vinte'uma horas e cinquenta minutos, do dia sete de fevereiro de dois mil e quatorze.
Quem olhasse de fora acharia que ele estava dormindo um sono gostoso. E foi isso.

Eu não escrevi nada antes, porque, naturalmente, estava arrasada (e ainda estou, mas agora já consigo sentir saudades sem sentir dor). Não por ele, é claro, pois acredito e estou convicta de que agora sim ele vive e poderá dar continuidade ao seu ciclo evolutivo, como todos também daremos. Ele simplesmente passou desta dimensão terceira, física, material, para uma outra dimensão onde o sofrimento físico já não é mais necessário, pois a forma de viver é mais sutil.

Se me permitem um conselho, vocês também, amigos, não fiquem tristes com a morte de seus peludos. Se permitam a tristeza pela saudade, mas jamais pela morte.

Agora nós estamos no processo de nos alegrarmos novamente com a vida e com a oportunidade que nos foi concedida de termos um amigo querido. Um amigo que espera atrás da porta todos os dias, e, mesmo levando portadas na cabeça de vez em quando, não esmorece até nos ver chegar; que gosta de fazer os outros sorrirem; que faz festa por qualquer motivo; que se alegra pelo simples fato de estarmos por perto. Enfim, um amigo que nos ama incondicionalmente.



Descanse em paz, Boomerzinho, e vá brincar bastante com os amigos de outros amigos que também já cruzaram a linha de chegada como você. Nós te amamos muito! Obrigada por tudo, sempre!

Desenho que meu namorado fez no dia que nosso velho partiu.
Bom humor sempre! Rsrs!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Maratona hospitalar.

Foi na noite de domingo para segunda feira, dia dois para o dia três de fevereiro de dois mil e quatorze.
Ele já vinha bastante irritadiço por causa do calor de mais de trinta graus, mas geralmente eu lhe molhava  um pouquinho a nuca e ele ia se deitar à frente do ventilador, dormindo pesadamente em seguida.
Mas nessa madrugada alguma coisa não estava certa. O andar compulsivo habitual era outro. O stress do calor era outro. O chorinho baixinho também era outro.
Eu havia dado todos os remédios nos horários de sempre, deveria estar tudo ok. Até cedi meu ventilador para ele, para ver se ele se acalmava  um pouco e dormia (e me deixava dormir), mas nada dava certo nessa madrugada.
Meu avô sempre dizia (e nós tirávamos um sarro): "à noite é tudo difícil" e ele estava coberto de razão, porque o sono, o calor e a preocupação com tudo isso que, na minha cabeça, não deveria estar acontecendo, começou a me irritar e fiquei estupidamente de mau humor, a ponto de tentar dormir enquanto meu amigo ficava lá se batendo pelos cantos da casa. Ai de mim, quanta ignorância! Agora eu penso e me envergonho totalmente. Deveria ter tido mais paciência. Deveria ter compreendido melhor. Deveria... tanta coisa, mas por algum motivo o ser humano (eu, no caso) não consegue acertar sempre, e seguimos a madrugada assim: ele irritado, doido, andarilho de corredor, cabeceador profissional de paredes e quinas; eu irritada, sonolenta, mau-humorada... nem desconfiava que ele estaria passando por maus bocados naquela madrugada.

Dez horas da manhã: ele dormiu! Vencido pelo cansaço de uma noite de choros e caminhadas talvez, mas dormiu, e era isso que eu precisava para me tranquilizar, porque achava que seria sinal de que estava mais calmo e se sentia melhor. Engano meu.
Onze  horas, meio dia, uma da tarde, duas, três, quatro...ele dormia profundamente. Seguindo recomendações da cardiologista, acordei-o para tentar dar-lhe algo de comer. "Ração? Nem pensar!.... Biscoitinhos: só uma cheiradinha.".................. "Banana! Banana deve resolver!"
Ele cheirou e se interessou, mas alguma coisa o impedia de abrir a boca para comer. Ele estava mole, pescoço bambo, os dois olhos fechados, mas acordado. Resolvi então abrir-lhe a boca e colocar a banana à força. Sucesso! Ele comeu. Um pedacinho, dois, três, e só. Voltou a dormir.
Dormiu até cinco e meia da tarde, e vendo-o dormir daquele jeito, todo torto, respiração ofegante, não pude evitar de pensar: é agora... aquele momento que todo mundo sabe que vai chegar, que está cada dia mais perto, mas que todo mundo prefere ignorar.

Cabe fazer um parênteses aqui para louvar e agradecer a nossa querida e grande amiga R.L.:
A R. é uma alma iluminada que veio a este plano para ajudar os animais e as pessoas. Ela tem em sua casa 3 cães-SRD (sem raça definida) super sapecas que ela salvou de um destino terrível, cuidou da Filó no finalzinho de sua vida, e agora está com mais um sapeca que ainda não conhecemos (estava ameaçado de ser jogado sem dó e à própria sorte na Raposo Tavares, e nossa querida o salvou também!). Ela que cuida sempre do Boomer com muito esmero quando viajamos, cuida de mais não-sei-quantos cães de amigos quando precisam, ajuda a ONG Cão Sem Dono... enfim, é um verdadeiro anjo que temos o privilégio de ter em nossas vidas.
A R. trabalha com terapias ligadas ao corpo energético, como terapia craniossacral, reflexologia podal, reiki... e neste dia ela vinha em casa.

Quando ela adentrou nossa sala, eu estava no meio da minha reflexão sobre este momento fatídico que deveria estar para chegar, olhando fixamente para meu peludo que dormia desmaiado e resfolegante em frente ao ventilador.
Ela olhou para mim, olhou para ele, e logo percebeu. "Acho que ele está passando..." eu disse, contendo o choro. Ela me abraçou forte e logo colocou-se prontamente sentada ao lado dele, posicionou as mãos e fez com amor e bondade o que ela sabe fazer muito bem.
Em torno de uma hora ele acordou e se pôs a andar, mas estava cambaleante, os olhos cerrados, nervoso e choroso.
Chega, eu disse, vamos levá-lo ao veterinário 'que isso não é normal!

Ele ficou internado. 4ª internação.

Segunda feira, 03 de fevereiro de 2014.
Pressão arterial: 250.
Alternância entre estados de excitação e sono profundo.
Soro, Gardenal, Manitol, Besilato de anlodipino, Maleato de enalapril.
Hemograma, função renal, ultrassonografia abdominal, glicemia...........
Sem comer.


Terça feira, 04 de fevereiro de 2014.
Pressão arterial: 240.
Alternância entre estados de excitação e sono profundo.
Soro, Gardenal, Manitol, Besilato de anlodipino, Maleato de enalapril....
Comendo pouco.

Quarta feira, 05 de fevereiro de 2014.
Pressão arterial: 240.
Alternância entre estados de excitação e sono profundo.
Soro, Gardenal, Manitol, Besilato de anlodipino, Maleato de enalapril, Carvedilol....
Voltou a comer, mas vomitou  na madrugada.
"Como temos suspeita de estes sintomas terem origem no alzheimer ou num tumor cerebral frontal, temos mais uma medicação para tentar, que pode estabilizar o quadro (com pouca chance de melhora) no caso de alzheimer, ou pode piorar o quadro no caso de tumor. Para termos o diagnóstico exato, precisaríamos de uma ressonância magnética, que envolve anestesia geral, e está fora de cogitação. Esta medicação seria um tiro no escuro e preciso do consentimento de vocês para aplicá-la como último recurso."
"Ok. Vamos tentar..." 
"Daremos a nova medicação e manteremos em observação por mais 24 horas."
 Nova medicação: Revimax.


Quinta feira, 06 de fevereiro de 2014, 12h 15min.
Pressão arterial: 170 (!!!!!!!!!!)
Estados de excitação menos frequentes, sonolência.
Soro, Gardenal, Manitol, Besilato de anlodipino, Maleato de enalapril, Carvedilol, Revimax.
Comendo bem.
"Ele diminuiu bastante a ansiedade. Percebemos que umas cinco, seis horas após o Gardenal ele começa a ficar ansioso novamente, então vamos aproximar as doses para serem ministradas a cada oito horas. Ainda não sabemos os resultados do revimax, pois leva de vinte quatro à quarenta e oito horas para fazer efeito. Mantendo a pressão abaixo de cento e oitenta durante a tarde toda, à noite ele poderá voltar para casa, mas amanhã vocês precisará trazê-lo para medirmos a pressão novamente."
"Maravilha!"


E cá estamos nós: Quinta feira, 06 de fevereiro de 2014, 15h 17min, aguardando o período convencionado como "tarde" passar, e esperando pelo melhor.

Devo confessar a vocês a tristeza que tomou conta de mim nestes longos e terríveis três dias, que mais pareceram longos, terríveis e mecânicos seis períodos de alternância entre muita luz (convencionado como dia) e pouca luz (convencionado como noite), com pensamentos estanques, olhos empapados, cabeça pulsante... resignação e, principalmente, impotência.
Impotência diante do sofrimento de um amigo querido. Oferecendo-lhe algumas substâncias e aguardando seus efeitos à medida do passar cruelmente lento do tempo.
Realmente, "o tempo é elástico". Não flexível, pois não se pode negociar com ele, mas elástico, que se estica e encurta ao sabor dos sentimentos.



Agradeço imensa e especialmente à minha mamãe queriiiiida, que passa as madrugadas de olho em mim pra ver se está tudo bem!
{Ela acha que eu não percebo, mas na verdade sei que ela se segura firme e deixa os próprios sentimentos em segundo plano para poder ficar firme como sempre e me dar o apoio que eu estiver precisando a qualquer momento}
Valeu, mãe!!!!!!!!
Agradeço também ao meu pai, meu irmão, meu namorado e amigos que estiveram esta semana toda sempre perto, prontos para ajudar!

Não sei como será daqui para frente, mas espero poder em breve trazer mais uma postagem a vocês com boas notícias.
Aos papais e mamães que passam por situações semelhantes neste momento: Força! Mantenham a calma! Pensem sempre no bem estar do(a) peludo(a). Façam o melhor, o que vocês reconhecem como dever, o que estiver ao alcance de vocês e fiquem tranquilos, pois, embora acreditemos que tudo está sob nosso controle, no fundo, nós é que somos controlados [por Algo Maior].


"O melhor acontece para cada um."

Dormindo no chão do banheiro para refrescar.
Antes da "madrugada".